quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011




SEDE DE VINGANÇA


-- Mamãe! Mamãe!
-- O que houve, Carlo?
-- Você pegou a minha chuteira?
-- Vai levá-la?
-- Ora, lá é a terra do futebol. Não é você que diz que lá em todo canto há um campinho para se jogar? Quero jogar com meus primos.
Rafaella puxou a cabeça do garotinho de encontro ao coração e beijou seus cabelos negros.
-- Está certo, querido. Está certo, mas não podemos lotar demais as malas. É melhor comprarmos uma por lá. Não vá querer levar Turim inteira para o Brasil.
-- Se pudesse eu levava nossa casa, com tudo que tem aqui dentro, -- estendendo os olhos em direção ao corredor o menino lhe perguntou -- temos mesmo que ir, mãe?
Ela voltou a falar que era necessária a viagem.
-- Mas você me falou que é uma cidade pequeninha. Eu nasci aqui em Turim. Será que vou me acostumar a uma terra estranha? É um lugar pequeno. É interior de São Paulo, não é? Não podíamos morar em S. Paulo então?
-- Eu nasci em São Lourenço e gostaria que você fosse criado lá como eu fui.
-- É tão importante para você? Sente saudades de lá?
-- Sinto sim.
-- E meu pai? Nem virá se despedir de nós?
-- É lógico que virá. Não tem conversado com ele?
-- Ele não liga mais para mim. Agora só se importa com o seu bebê.
A mãe apertou-o mais fortemente de encontro a si, tentando assim protegê-lo das dores do mundo.
Após o nascimento do neném Marco não dava mais tanta atenção ao filho. Muito pouco ele aparecia e o garoto sentia sua falta.
Ela queria vê-lo empolgado com a viagem.
-- Amanhã estaremos num avião.
Ele acabou se entusiasmando. Gostava de viajar de avião. Se por um lado ele estava feliz em viajar, por outro estava triste em deixar sua terra natal e a casa onde moravam.
-- Mamãe, nós podíamos passar uns tempos lá e voltar, não?
-- Vamos ver, meu bem. Minha prima ofereceu para que eu fosse auxiliá-la na pousada. Eu estou mesmo desempregada e depois da morte da vovó ficamos tão sozinhos aqui na Itália. Mas se não nos adaptarmos, nós voltamos a Turim.
-- É uma promessa?
Era necessário que ela jurasse fazendo uma cruzinha nos lábios. De outra forma ele não acreditaria.
-- Vou ligar para meu pai e pedir que nos acompanhe ao aeroporto.
Ele correu ao telefone e Rafaella continuou organizando a bagagem. Desistiu de algumas blusas e echarpes que estavam prontinhas para serem colocadas em sua valise.
-- Não posso querer carregar tudo, ela pensou -- Estou como o Carlo, querendo levar minha “vida daqui” pra “lá”.
Pegou uma fotografia dos pais e uma lágrima caiu. A mãe morrera recentemente e ainda doía muito.
O pensamento voou para um tempo em que o pai vivia, quando ainda moravam em São Lourenço.
As lembranças traziam sofrimentos.
Pensou:
-- A verdade é que estou indo para me vingar, pai. Chegou a hora de destruir o Hugo. Ele há de pagar tudo que nos fez sofrer. Estou indo para acertar as contas com o passado. É por isso que estou voltando para o Brasil. O Carlo não sabe e nem quero que saiba. Eu lhe falei que estamos indo porque estou desempregada. Você sabe que eu me empregaria em dois tempos com o currículo que tenho, mas não. Chegou a hora da vingança. Hugo nem sabe o que lhe espera.
Jamais contaria ao pequeno filho quais eram suas intenções.
As lembranças que guardava do lugar eram boas. Uma infância feliz no sítio que moravam.
Muitos parentes residiam pelas redondezas. Na cidade só ficara a prima Giovanna e os filhos. A pobre enviuvara cedo, mas não deixava por nada o lugar que vivera tão feliz com o marido. E havia a pousada.
Guardou a fotografia dos pais e procurou enxugar as lágrimas rapidamente para que o filho não visse.
-- Papai vai nos acompanhar até o aeroporto. Nem sei como topou desgrudar daquela chorona.
-- Que é isso, filho? Não fale dessa forma, ela é sua irmãzinha.
-- Não sei que graça papai acha nela. Vive a chorar. A mãe dela fica balançando-a, balançando-a. Na última vez que estive lá fiquei irritado.
-- Não deve pensar assim de sua irmã.
-- Meio-irmã. Você também vai me dar meios-irmãos?
Acariciando aquela cabecinha adorada ela sorriu.
-- Quem conhece o amanhã, meu querido? Nada posso afirmar. Eu não pretendo me casar de novo, mas nunca sabemos...
-- Eu acho que você vai casar sim. Tem só 28 anos. Para falar a verdade até gostaria que tivesse um irmãozinho para me fazer companhia. Quem sabe lá em São Lourenço encontre alguém e se case de novo.
-- Não é por esta razão que estamos indo para lá.
-- Estou brincando.
Ele correu até a janela para ver um avião que passava.
-- Amanhã estarei dentro de um. E dos bem grandes. Não vejo a hora.
-- Vai adorar. Ainda bem que aprendeu a falar comigo o português e é tão fluente.
O filho se adaptaria ao Brasil? Ela gostava tanto de São Lourenço. Não fosse por Hugo talvez ainda estivessem todos morando lá. O pai morreu de tristeza. Aquele homem haveria de pagar tudo que lhes fizera sofrer.
Fechou o zíper da maleta e este beliscou ligeiramente o seu dedo porque o fez com muita raiva e brutalidade.
-- Preciso me controlar. Só com a cabeça no lugar é que vou conseguir realizar tudo que sempre desejei. Mamãe diria que a vingança é um prato que se come frio, mas preciso me vingar. Sinto que preciso fazer isso. Como estará aquele homem que roubou todos os bens de meus pais?

Giovanna adorou o priminho e os filhos dela então nem se fala. Não desgrudavam do italianinho.
-- Como você está bem, minha prima. Ainda mais bonita do que eu lembrava. Que tolo foi o seu marido em trocá-la por outra.
-- Não combinávamos.
-- Eu acredito que mais você aceitou se casar com Marco porque estava muito desolada com a morte de seu pai e com a ruína. Ele chegou em boa hora.
-- Eu me empolguei com aquele italiano e andava tão deprimida. Ele me oferecia uma vida nova. Mamãe aceitou se mudar conosco para Turim e acertamos tudo. Até que vivemos bem por lá. Quando nos separamos mamãe ficou morando comigo e com Carlo. Eu trabalhava e gostava da vida que tinha lá. Mas me conte, como está o Hugo? Ainda mora na fazenda?
-- Não escrevi contando? Hugo está morto. Será que esqueci de contar?
Morto? Por esta ela não esperava.
-- E a fazenda? Quem mora lá? A esposa dele?
-- Ela odeia aquilo tudo. Quem mora lá é o Mauro. Ele é que assumiu tudo. E é um amor de pessoa. Nem parece irmão daquele peste.

Dois meses depois ela estava sentada na varanda da casa da fazenda que fora de seus pais conversando com Mauro. Quem diria que seriam apresentados e se apaixonariam?
Tudo que lhe pertencera lhe voltava, mas de uma forma inesperada.
O italianinho teria irmãos brasileiros e todos correriam por aquelas terras

SONIA DELSIN

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