quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011




BICO NA BICA
O bico na bica.
A bica no bico.
Cantor da floresta.
Ainda faz festa.
Tão pouco lhe resta.
A humanidade não sabe preservar.
O bico na bica.
A bica no bico.
Parece com seu olharzinho de pássaro me fitar.
Parece perguntar.
Até quando o planeta vai aguentar?
É tanta judiação.
Tanta destruição.
O homem devasta.
Para um abismo se arrasta.
Bico na bica...

SONIA DELSIN



MINHA ALMA MENINA
Minha alma leve é uma menina.
Ela corre pelos campos floridos.
Agita os vestidos.
Minha alma é de uma leveza.
Só enxerga a beleza.
Minha alma apesar de conhecer os horrores não fica nas dores.
Ela sabe se transportar.
Sabe buscar outro lugar.
E encontra paraísos por tantos cantos.
Ela sabe dos recantos.
Admiro esta minha alma calejada.
Esta alma de menina que vive com o mundo admirada.
Nunca que ela se transforma.
Nada a deforma.
É uma alma assim de menina... de criança... criança que esqueceu de crescer.
Ou preferiu no mundo bem viver.


SONIA DELSIN



COMO EU TE QUIS!


nos teus braços fui tão feliz
como eu te quis!
chegavam as manhãs e eu pensava
as noites vinham e me lembrava
dos teus beijos, teus toques...

Deus, como eu te quis!
tudo era tão bonito
eu voava e voltava ao infinito
tudo porque estava apaixonada
e me julgava amada

mas um dia me disseste
estou indo
quem parte será que leva um coração tão dolorido como o de quem fica?
fiquei chorando
olhando o sol que também partia
era final do dia
nem notei a primeira estrela que aparecia

fiquei lambendo minhas feridas e nem notava no jardim as margaridas
as dálias, as rosas
nem via o colibri que sempre estava por ali

o meu castelo tinha desabado
e para mim o mundo tinha acabado

na rede me deitava todas as tardes e chorava
ficava recordando o passado

o tempo tem o dom de suavizar as dores
de trazer outros amores

se te esqueci?
não se esquece um grande amor
acontece que o tempo suaviza a dor
e encontramos outras razões para viver

talvez eu tenha este amor adormecido dentro de meu ser
mentiria se dissesse que consegui te esquecer


SONIA DELSIN



HITLER AINDA VIVE EM MUITOS CORAÇÕES?


Talvez algum dia ele compreendesse. Talvez.
Talvez algum dia ela entendesse. Talvez.
Talvez a ciranda de pedra fosse apenas uma ilusão.

O dia nem bem nascia e ela se levantava. Olhos vermelhos, inchados, machucados.
Quem a ferira n’alma com tanta intensidade? Existe realmente a maldade?
Existe a falsidade.
É um fato, mas ela só compreenderia muito tarde. Muito tarde.

...


Voltemos uns anos no tempo. Muitos anos. Outro tempo, outra vida.
Alguns passos a levariam ao sótão e lá, olhando os velhos baús, ela se poria a sonhar. As botas, a roupa de caça...
Tudo vira fumaça?
Não vira não. Tudo é parte do coração.

...


O dela estava fatiado. Como se em um açougue estivesse, para ser vendido em fatias.
Amargos dias, amargos dias...

...


Lola cantarola uma música tão familiar. Uma música que nasceu quando ela fez aquela viagem para a lagoa.
A lagoa encantada, a pequena estrada...
As pedras; o tempo. Imóvel o tempo naquelas paragens. Dentro da viagem quantas viagens.
Um encontro com seu próprio eu ela tivera. Fora lá que aprendera que não se vive do ontem, que não se vive do que já passou.
Acordar e descobrir um corpo quente, diferente e tão vivo é fascinante e assustador. Ainda mais quando se sofre por amor.

Cantarola enquanto lava os pés numa bacia no quintal. Tudo tão diferente lá. O cheiro das coisas. Até os pensamentos.
Descobrira na lagoa a sua essência.
Diziam: paciência.
E ela não tivera? A vida inteira não tivera?
Até quando esconder os sonhos embaixo do tapete? Se bem que os seus estavam enterrados sob as folhas de outono.
Ó! A brisa acaricia sua face lembrando que está chegando o inverno.
Sabe de antemão que embaixo das cobertas se enrolará feito um feto.
Que fizera de sua vida? O quê?
Mas viver do ontem? Dos ontens? E o agora?

Aquele homem estivera em todas as suas vidas. Na verdade os dois estiveram. Um esmagara seu coração.
E o outro? O outro entristeceria todas as suas vidas. Por quê? Por que Hitler ainda mora nos corações dos homens?
Um lhe ferira profundamente. Ele lhe oferecera a lua e todas as estrelas e tudo despencara como se o apocalipse acontecesse assim com tamanha naturalidade. Falsidade, falsidade.
(A felicidade depende de fatores externos? Não está dentro de nossos corações?)

O pé limpo, a alma dolorida. Lembrança de outra vida.
Tantas vidas...

...

Subir correndo os degraus, chegar à janela e olhar o homem que se afastava enviando beijos. Cresceram juntos, amaram-se desde sempre.
O que é sempre? O que é? Por que ele partira se existia amor? Por que amor sempre rimando com dor?

Olhá-lo se afastando... indo, indo. Ficar olhando e rindo (neste tempo ela desconhecia o sofrer). Desconhecia o caminho, desconhecia o destino.
Destino? E quem pode afirmar? Por que não se pode mudar? Por quê?
“Se ela acreditava que tudo é possível, que tudo pode acontecer segundo o anseio do coração”.
(Mas ele não pensava assim) Era um descrente? Apenas um homem diferente.
E era justamente esta diferença que a fascinara. O jeito que ele dizia as coisas, seu jeito de pensar. Tão diferente dela. E parte do seu ser. Cresceram juntos numa vida. Como os ramos de uma mesma árvore. Cresceram juntos...
E se distanciaram...

E o outro? O outro a adorara e protegera. Adorara? Não. Não. Tudo mentira. Ou não?
Quem pode afirmar alguma coisa?
Hitler morando naquele coração? Ou não?
Não.

...

Ela tantas vezes sentira ímpetos de pisar na cabeça do dragão. Por que o amor e o ódio podem viver tão próximos? Podem ser confundidos. Ela não pisara na cabeça do dragão? Ela também não lhe sangrara o coração? Ou não? Tudo tão confuso e tão simples. Chumbo trocado. Ter amado e odiado? Que preço se paga por tudo nesta vida. O amor e o ódio lado a lado...

E o outro? No outro tudo é perdoável. É sagrado. Faz parte de todos os tempos. Está para sempre guardado.
Na sala dos espelhos se refletindo em cada espelhinho. O tempo, o tempo... os tempos voltando... as lembranças todas trazendo tudo de volta.

Ela enxuga uma lágrima e continua a cantarolar. Na música está impregnada a história de um amor impossível. De um amor que a eternidade carrega como um estigma.
Tatuado em seu coração aquele sorriso, o olhar, e tatuado o último olhar. E as palavras todas... todas.

Nunca mais a mesma? Nunca? Nunca? Nunca?

Sabe que pode começar a dançar, dançar... pode esquecer.
Pode a cigana incorporar e esquecer, esquecer... tudo, tudo.

A cigana rodopiando, cantarolando.
É ela embaixo de um céu mudo.
Tudo mudou.
Desenterrar aquela história? Quem pode afirmar que existiu de fato? Existiu. E ele partiu.
Está sempre partindo, sempre.

(E o outro também partiu)

Por que este amor por dois homens? E os dois só sabem machucá-la, machucá-la. Um intencionalmente e o outro... Ah! O outro não se deu conta do quanto a feriu. Ou deu? Hitler? Não. Que nada! Ele é pura mansuetude.
Ele é doce, meigo. Mas covarde? Não tem atitude?
E ela é capaz de amar alguém que por covardia lhe causa sofrimento?
Esquecer, esquecer...
(a felicidade independe de fatores externos, volta a lembrar-se)

Dançar e esquecer.

Uma canivetada no peito. Um reencontro, uma flechada. Uma vida estragada? Nada. Nada.

Dançar...
...

Tudo passa. Tudo nesta vida vai passar.
E no armário das lembranças se amontoar. Se amontoar para depois recordar.

As tranças. As tranças douradas girando no rodopio. O vento, os campos de trigo e o sorriso. O menino chegando... o menino.
O beijo inocente... a estradinha sob as nogueiras. O beijo, o beijo. O coração aos pulos.
Ele nunca a deixaria?
Deixaria.

O sorriso guardado nas fotografias do baú. O sorriso guardado no coração. O sorriso. O reencontro...

Ele a reconheceria? Não. Ele não a reconheceria. Sempre um cético.
Mas a amaria.

Existe amor aí?
Talvez seja sua forma de amar.
...

Esquecer estes dois homens e aí sim começar uma nova estrada. Esquecer vidas passadas, vida passada. Esquecer e recomeçar. Caminhar, caminhar, caminhar...

Outro homem? Um terceiro? Por quê?
Este seria a resposta? Não seria uma tabua de salvação? Outra paixão? Ah, coração! Ah, coração!

Regar as flores, estender a rede, olhar os pássaros, sentir o vento. Perder-se em meio aos pensamentos. Esperar a lua. O luar que tinge o jardim, que tinge o pátio. Que amortece os sentidos. Acalmar o coração, acalmar.

Recomeçar...
Recomeçar.

SONIA DELSIN



ENCONTRO COM DEUS

Naquele dia um encontro eu teria
Algo no meu ouvido dizia
Vais ter um encontro especial
Foi algo fenomenal
Diria que foi surreal

Eu estava de cabeça baixada
Achando a vida uma maçada
E ele surgiu do nada

Veio segurar minha mão
Tocou o meu coração

Seus olhos... eu nunca tinha visto algo igual
Tinha uma ternura neles que me fazia flutuar
Ele me convidava a voar
E fui...

Nas asas de todos os ventos deixei-me levar
Deus tinha tanto a me mostrar
Sobrevoamos jardins e parques arruinados
Sobrevoamos cidades e prados

Ele nada falava
Apenas me mostrava
E eu olhava

Eram infinitamente belas as flores quando ao seu lado eu admirava
Eram lindíssimas as cachoeiras
As planícies eram alvissareiras

Era um mundo mágico que eu via
E pensar que desde primórdios ele existia
Em mim
Em todos nós

Por que não enxergamos a beleza?
Por que não contemplamos a natureza?

Eu seguia-o com o coração tão leve
Ia tão solta
E nada temia

No Universo era como uma pena que flutuava
No imenso mar um peixe que nadava
Era uma com o infinito
E achava tudo tão bonito

Deus viera tão calado
Me mostrar o seu mundo encantado

Eu simples expectadora absorvia
O fio da vida, o segredo da minha essência
De repente a transparência
Era eu e eu
Deus e eu
Deus e Deus

Tudo estava explicado

SONIA DELSIN



RAINHA DO ESPELHO

era preciso esvaziar
todos os armários abarrotados de lembranças precisavam ser esvaziados
tantos sonhos guardados
a espera de quê?
do improvável?
do inevitável?

a corda ela roia
claro que doía

tantos anos e ela ali diante de si
diante de um espelho
o rosto dentro da moldura era de uma beleza
intocável

ilhada dentro daquele espelho ela procurava o esquecimento
tinha existido em seu viver um momento
único, ímpar

e como apagá-lo se até o espelho fazia questão de guardá-lo?

roer a corda até arrebentar?
chorar?
gritar?
calar?

até quando se manteria calada?
de repente começou a dar risada
a imagem no cristal se distorcia à medida que ela ria

via-se apagando
a imagem desvanecendo

o espelho nada mais trazia
nem o rosto pálido
nem o passado guardado
tudo estava acabado?
era o fim do reinado da rainha de um reino encantado?

SONIA DELSIN



MISTÉRIO

misterioso foi nosso encontro
íamos caminhando pela vida afora em estradas paralelas
e duas linhas paralelas não se encontram

fugimos da regra
do evidente
foi contundente
diferente

estávamos tão magoados
machucados
íamos desanimados

nosso encontro foi providenciado
pelas estrelas
pelo eterno
foi algo doce, terno

doloridos estávamos e começamos a rir
começamos a encontrar outra graça no existir

tu vinhas com teu jeito manso
eras meu remanso
eu ia a ti com minha impulsividade
falando em felicidade

nossas mentes se alastravam na eternidade
eu falava noutro tempo, outra vida, outra cidade
dizia que éramos almas gêmeas se reencontrando

e tu... tu que gostas do esotérico como eu
ouvias eu dizer que foste meu noutro tempo
tu me ouvias e sorrias
não em zombarias

pensavas na possibilidade de tudo ser verdade

amado meu, me disseste uma frase que marcou a minha vida
que fez eu me sentir para sempre querida
falaste que estamos os dois suspensos entre duas eternidades
pertencemos ao sonho e à realidade

sim, somos o mistério
um caso sério
num mundo irreal somos amantes
como sempre...
como antes

SONIA DELSIN