quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011




CAMPO DE BATALHA

O que posso dizer de Ordália? O que se diz de uma mulher que ama e labuta tanto que no final do dia está exausta?
Ela era assim, uma batalhadora.
Cinco filhos, uma vida quase miserável; um marido imprestável (e a pobre o amava tanto).
Quando ele chegava, ela abria os braços e as pernas.
Abria-se para um homem que quase nada lhe entregava.
Ele vivia no cais. Entre as prostitutas e a vadiagem.
Vez ou outra fazia uma viagem.
E Ordália se desdobrava para cuidar dos moleques.
Estava sempre esperando seu amado.
-- O que tem para o jantar, mulher?
-- Tem arroz e mandioca frita.
-- Acompanhada de?
-- Homem de Deus! Está duro colocar comida na boca das crianças.
-- Também você pega filho todo ano. Parece até uma coelha.
-- Eu não faço os filhos sozinha. Você não quer usar camisinha. Já estou até vendo, uma hora pego uma doença. Pior se pegar uma Aids. Aí sim estou frita e coitados de nossos filhos. Que será feito deles?
-- Vira essa boca pra lá, Dalinha. Parece até que está chamando uma doença pra nós.
-- Eu não. Você é que arranja uma mulher em cada canto e não se cuida.
De repente ele a abraçava e ela esquecia que o marido era um mulherengo. Só queria seus carinhos. O caçula estava com um ano e meio. Precisava encontrar um jeito de não arrumar outros. Não se dava bem com a danada da pílula. Era tanto serviço que esquecia até de tomar.
-- Dalinha. Venha fazer amor comigo.
-- Você está fedendo como um bode. Por onde andou? Vá tomar um banho.
Ele pegou a toalha de banho e colocou sobre o pescoço dando uma piscada para a esposa que já pegava o ferro. Tinha tanta roupa para passar.
Do banheiro ele gritou:
-- Deixa esta roupa pra amanhã.
-- Tem muita.
-- Hoje eu quero você.
Ela fez de conta que nem o escutou e continuou a passar.
Enrolado na toalha ele veio tirando o ferro de sua mão.
-- Já não te falei pra parar com isso? Guarda esta porcaria.
-- Amanhã não vou ter tempo e as crianças estão quase sem roupa pra trocar.
-- Deixa de ser tonta, mulher. Um gato como esse está querendo você e fica querendo fazer serviço. Já passa das onze da noite.
Como falar não para ele? Logo estava na cama gemendo de prazer.
O caçula ia completar quatro anos e por sorte não vieram mais filhos. Parou no quinto.
Ajeitava-o um pouco. A irmã ficara de trazer um bolinho e uns docinhos. Ela comprou os refrigerantes.
De Guto nem sinal. Por onde andaria aquele pai desnaturado?
Mateus estava tão magro. O pobrezinho vivia com dor de garganta.
Odair e Junior eram mais fortes e as meninas também eram umas magricelas, mas tinham saúde.
-- Mãe, eu quero um doce.
-- Espera a festa.
-- Mas é meu aniversário.
Segurando-o pelo braço ela esbravejou:
-- Espera.
Havia tanta tristeza em seu olhar que ela não resistiu.
Gritar com o filho no dia do aniversário?
Era Guto que a deixava nervosa. Costumava sumir ultimamente e notava que ele não andava bem. Por onde andaria?
Dera de beber, além de fumar.
A irmã chegou com os dois filhos. Ela só tivera os gêmeos e tinha uma vida melhor que a dela.
-- Odila. Minha querida irmã.
-- Dalinha...
Abraçaram-se ternamente.
A vida é estranha. Brigavam tanto quando meninas e agora se adoravam.
-- Aquele peste não vai estar aqui para a festa do Mateuzinho?
-- Sabe Deus onde ele anda.
-- Você está tão magra, minha irmã.
-- Com a vida que levo.
-- Tem ido ao médico? Está com aspecto doentio.
-- Nem me fale isso que tenho esta penca de filhos pra cuidar.
Mais algumas crianças da vizinhança chegaram e a festa começou.
Tudo estava bem. A molecada feliz e nem comentaram a ausência de Guto. Ele sempre aprontava das suas.
No final da festa Ordália desmaiou.
Quando se recuperou Odila e o esposo quiseram levá-la ao médico, mas ela alegou que era o cansaço.
-- Cansaço faz alguém desmaiar? Perguntou Jaime aparentando preocupação.
-- Cunhada, eu vou levá-la pronto socorro. Tem um aqui perto, não tem?
-- Não tem necessidade. Não é nada não.
Ele insistiu e ela acabou aceitando.
O médico perguntou a Jaime se ela fazia exames periódicos.
-- Eu sou cunhado dela. Estou acompanhando-a.
-- Entendo.
-- Ela vai ficar hospitalizada.
-- Mas o que ela tem, doutor?
-- Ainda é cedo para falar. Vai fazer alguns exames.
A irmã estranhou quando Jaime voltou sozinho.
-- Sua irmã ficou internada.
-- Nossa! Mas o que ela tem? E agora, como faremos? Nem sabemos onde está o Guto.
-- Ele não serve pra nada mesmo.
-- É verdade. Tomara que não seja nada grave.
O médico chamou a família e como Guto nem tivesse dado sinal de vida, comunicou a Odila e Jaime o estado de sua paciente.
-- O meu colega que a atendeu no pronto socorro suspeitou que ela tinha alguma coisa grave e infelizmente foi comprovado. Sua irmã tem leucemia.
-- Leucemia? Câncer?
Jaime perguntou aflito:
-- E há alguma esperança para ela?
-- Um transplante de medula. Precisamos encontrar o doador.
-- Eu poderei ser a doadora. -- disse Odila prontamente.
-- Precisamos ver se existe compatibilidade.
Os meses subsequentes foram terríveis. Odila se desdobrando para ajudar a irmã e por fim descobriram que o filho caçula de Dalinha é que poderia ser o doador. Guto não aparecia e todos estavam desconfiados que estava morto, pois ele nunca ficava tanto tempo sem aparecer.
Na véspera da cirurgia da esposa foi encontrado um corpo e identificado como o de Guto. Não contaram nada a ela.
A recuperação foi difícil porque em sua convalescença ela acabou sabendo da morte do marido.
O tratamento se estendeu por um longo tempo com melhoras e pioras. O estado emocional da paciente interferindo muito, mas por fim ela acabou se fortalecendo. Isto aconteceu graças a um funcionário do hospital que sempre falava com ela. Ele se encantou com ela desde o começo. Era divorciado sem filhos e gostava de pegar Matheus no colo e ficar conversando com ele. Os dois se entendiam as mil maravilhas.
Com o passar do tempo Dalinha e Norberto começaram a namorar e ela acabou casando-se com ele, mudando totalmente sua vida e para muito melhor.
As crianças gostavam do padrasto e a vida se ajeitou da melhor forma para eles.

SONIA DELSIN

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